domingo, 26 de julho de 2009

A Falácia da Episiotomia

Divido com vocês um maravilhoso texto sobre a Episiotomia. O que este texto tem de bom? Bem, ele apresenta uma análise geral das literaturas sobre o tema. Embora seja um texto bastante longo, vale muito a pena a leitura. Parabéns ao autor o Ginecologista e Obstetra de Curitiba Dr. Carlos Miner Navarro.

A FALÁCIA DA EPISIOTOMIA
É melhor um corte linear do que uma rotura irregular, a episiotomia protege o períneo da mulher e o cérebro do bebê. Esta é resumidamente a falácia da episiotomia.

Falácia: qualquer enunciado ou raciocínio falso que entretanto simula a veracidade, sofisma.
Sofisma: argumentação que aparenta verossimilhança ou veridicidade, mas que comete involuntariamente incorreções lógicas.
Ou seja, parece mas não é.

Episiotomia é um corte realizado no períneo, para ampliar o canal do parto. A primeira citação sobre episiotomia na literatura médica foi em 1810 (há diferentes versões para esta data), demorou quase 100 anos para ser aceita pelos médicos e é hoje a cirurgia mais realizada no mundo.

Na década de 1920 um influente médico americano John B. De Lee afirmava que a episiotomia deveria ser realizada rotineiramente. Na verdade ele ensinava que: quando o nascimento estava próximo, todas as mulheres deveriam ser (1) anestesiadas com uma substância que causava amnésia (para esquecer aquela horrível experiência do parto, a seguir (2) realizar uma grande episiotomia, (3) retirar o feto com auxílio do fórcipe e (4) suturar laboriosamente o períneo reconstituindo as condições ¿virginais¿ não esquecendo de dar o ¿ponto do marido¿.

Ao longo do tempo, sem nenhuma pesquisa científica para provar seus efeitos , passou-se a afirmar que a episiotomia protege o períneo, reduz o risco de incontinência urinária, cistocele (bexiga caída), retocele (frouxidão da vagina), que comparada com as lacerações espontâneas a episiotomia cicatriza melhor, sangra menos, dói menos, produz menos casos de dor às relações sexuais a curto e longo prazo e protege o encéfalo fetal especialmente dos prematuros (quanto mais prematuro, maior deve ser a episiotomia).

Em 1983 dois pesquisadores Thacker e Banta, publicaram uma revisão da literatura médica sobre episiotomia de 1860 até 1980, encontraram alguns bons trabalhos científicos. Concluíram que não havia evidências de sua eficácia, particularmente se usada como rotina. Na verdade havia evidências de que o desconforto e a dor eram muito maiores com a episiotomia e sérias complicações, inclusive o óbito materno, podiam estar relacionados ao procedimento. Terminaram seu trabalho recomendando que estudos científicos bem desenhados fossem realizados para avaliar a episiotomia.

Obstet Gynecol Surv. 1983 Jun;38(6):322-38. Related Articles, Links
Benefits and risks of episiotomy: an interpretative review of the English language literature, 1860-1980. Thacker SB, Banta HD.
The benefits and risks of episiotomy in labor and delivery as recorded in the English language literature in over 350 books and articles published since 1860 are reviewed and analyzed. Episiotomy is performed in over 60 per cent of all deliveries in the United States and in a much higher per cent of primigravidas. Yet, there is no clearly defined evidence for its efficacy, particularly for routine use. In addition, although poorly studied, there is evidence that postpartum pain and discomfort are accentuated after episiotomy, and serious complications, including maternal death, can be associated with the procedure. Therefore, carefully designed controlled trials of benefit and risk should be carried out on the use of episiotomy.

A partir daí (1983) inúmeros estudos foram realizados, acumulando evidências de que a episiotomia, dói mais, cicatriza pior, sangra mais, causa dor às relações sexuais a curto e longo prazo, tem um efeito negativo para a auto-imagem da mulher (sente-se mutilada), é um importante fator de risco para incontinência urinária (juntamente com o fórcipe), aumenta o risco de lacerações graves do períneo (incluindo ruptura do esfíncter anal), diminui a força muscular do períneo, pode complicar com hematomas e infecções e finalmente, não protege o encéfalo fetal.

Diversos estudos que avaliaram a força da musculatura perineal após o parto, demonstraram que mulheres que tiveram parto com episiotomia tem o pior resultado quando comparadas com parto sem rotura ou roturas espontâneas

Então nunca se deve fazer episiotomia? Não é bem assim, as evidências científicas mostram que não devemos fazer episiotomia de rotina, porém em alguns casos ela pode ser justificada. As indicações de episiotomia são: períneo rígido (pouca elasticidade) cicatriz muito fibrosa de uma episiotomia anterior, uso do fórcipe ou vácuo-extrator (é possível fazer parto a fórcipe ou vácuo-extrator sem episiotomia, mas depende de grande prática e habilidade), períneo muito curto (pequena distância entre a vagina e o ânus), sofrimento fetal grave em que o bebê tem que nascer imediatamente. O fato de ser primeiro filho não é indicação de episiotomia e o tamanho de bebê também não.

É incrível, mas todas estas informações estão disponíveis há mais de 20 anos, e em alguns lugares pratica-se a episiotomia em todos os partos.
Assim como o colo do útero, que dilata progressivamente, o períneo também deve dilatar devagar. Permitir que o período expulsivo ocorra naturalmente, sem puxos dirigidos é fundamental para reduzir as lacerações perineais. Portanto a mulher deve empurrar o bebê segundo sua vontade e não ser estimulada, empurrar a barriga por cima então , nem pensar.

A posição para a expulsão do bebê também deve ser considerada, a pior de todas é a chamada posição de litotomia (deitada de costas com as pernas apoiadas em perneiras) pois estica o períneo e favorece as lacerações.

Em resumo, à luz das evidências atuais, um parto em posição verticalizada ou lateral, permitindo a progressão lenta da cabeça do bebê, proteção do períneo, episiotomia somente em casos selecionados, deveria ser rotina e não exceção.

Ainda temos um longo caminho pela frente, mas cada vez mais estas informações vão sendo divulgadas e as taxas de episiotomia no mundo todo, incluindo o Brasil vem diminuindo, talvez lentamente, mas já é um começo.

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