sábado, 28 de fevereiro de 2009

Sobre o Direito de Parir e Maternar

Gostaria de compartilhar com vocês a belíssima reflexão de uma mãe que está curtindo sua gestação do João (36 semanas). O texto é um pouco longo, mas garanto que vale a pena!
Sobre o direito de parir e maternar

"Outro dia, eu estava numa reunião de trabalho, e a nossa Coordenadora, dentro de um contexto, mencionou o fato de que em breve eu vou parir. Aquilo despertou uma inflamada questão semântica dentro do grupo, começando por um amigo que corrigiu, dizendo que “parir é coisa de bicho”. Começaram então a procurar outro termo mais adequado para designar o que eu faria, afinal de contas. Sugeriram “ganhar bebê”. Marcos argumentou achar isso muito estranho, como se fôssemos chegar na maternidade levando um bilhete sorteado e seríamos então “contemplados” com um bebê, que traríamos para casa, (quase da mesma forma que se “ganha” um carro depois de pagar o consórcio.) O termo “dar a luz” também foi citado”. Mas argumentaram lindamente que, falando assim, parece que o bebê está por enquanto nas trevas, e isso também é uma idéia um pouco estranha. Enfim, como esse não era o verdadeiro foco da discussão na reunião, e apesar de estar fascinada com toda aquela reflexão, eu acabei dizendo que me sentia mais confortável em PARIR mesmo, já que isso me trazia uma idéia mais ativa sobre o meu papel na questão, afinal de contas...
Mas daí tudo isso já tinha me aberto um leque de idéias sobre o assunto... Engraçado como nossa cultura vê o termo parir como obsceno. Essa palavra só é usada quando queremos ofender alguém: “é a puta que te pariu!”. Só as putas podem parir, e isso é muito sintomático. Pensar numa mulher gemendo, suando e eventualmente gritando é desconcertante. A sexualidade inerente num parto é difícil de se lidar, na nossa cultura... Mas isso não é diferente de todos os outros eventos femininos. “Mulher é um bicho esquisito, todo mês sangra”, como dizia a Rita Lee. Hoje temos teorias que dizem que a menstruação é completamente desnecessária e até mesmo prejudicial à saúde feminina, hoje temos “reposição hormonal” para lidar com os “horrores” dos sintomas do climatério na menopausa, e cesarianas assépticas e comportadas para libertar as mulheres do terror de passar por um parto. Mulheres começam a gravidez acreditando que terão um parto normal, e ao longo do caminho, subitamente, “mudam de idéia”, por causa de supostos “defeitos” que seu corpo apresenta: “meu médico disse que minha bacia é muito estreita, não tenho passagem”, não tive dilatação, meu bebê passou da hora de nascer... O útero feminino é um útero incompetente para manter os fetos, o leite materno é incompetente para manter bebês saudáveis, (e ainda vicia criança), o colo materno e inadequado e uma afronta à necessidade imperiosa de independência infantil... (ah, o mito da independência infantil!!)
Ainda pretendo estudar sobre isso, mas tenho a sensação de que o mito da independência infantil, nos moldes que se conhece hoje, tem relação estreita com as novas expectativas profissionais sobre a mulher. No fundo, nossa cultura NUNCA deixou de determinar o que a mulher deveria ser e como deveria lidar com seu corpo, sua sexualidade, suas escolhas. O padrão mudou, mas não mudou a necessidade de seguir sem questionar.
Gravidez não é doença!- diz a sociedade. E, nas entrelinhas, há a mensagem: A mulher grávida não tem direito a nenhuma condição diferenciada. Por mais que ela esteja aprendendo a lidar com um corpo totalmente diferente daquele a que se acostumou, por mais que seu “faro aguçado” possa, nesse momento especial sentir cheiros que ninguém mais sente, e passar muito mal com eles, por mais que o mundo devesse parar na primeira vez que ela sente seu filho se mexer dentro da barriga e ela percebe que sim, existe realmente um outro corpo, uma outra verdade consigo além dela própria... Isso não importa. Importa é não perder o ritmo produtivo, pois a “igualdade” entre homens e mulheres estabelece que a gravidez não pode fazer a mulher parar, e nem mesmo diminuir o ritmo de trabalho. (E, como tutora de curso à distância, com o tempo que tive para conversar com o meu corpo, sinto-me uma pessoa muito, muito privilegiada...) Se eu estivesse até agora pegando ônibus lotado para chegar ao serviço todos os dias, passando oito horas num trabalho estressante, chegando em casa com os pés inchados e imensa dor nas costas depois de longos períodos sem me alimentar direito, mal tendo tempo de me hidratar adequadamente, (esqueci de beber água) e sem sequer ter tido tempo de conversar comigo mesma em silêncio nem que fosse por 15 minutos, decerto já estaria há pelo menos duas semanas implorando por uma cesárea antecipada para me livrar do “peso incômodo” desse bebê que está na minha barriga... Eu tenho consciência que fiz escolhas diferenciadas, que me possibilitaram estar pensando em tudo isso, mas sei também o quanto isso é raro, e difícil...
Há algum tempo, inventaram o raio do “mito do amor materno”. Questionou-se essa coisa da mãe amar o filho incondicionalmente. Disseram que esse amor não existe dessa forma, nunca existiu, e que tudo não passava de uma grande pressão social para cima da mulher, que se via obrigada a amar o filho e ser perfeita. E nesse conceito de “ser perfeita”, incluíram os “fardos” de acordar no meio da noite, amamentar, dar colo, estar em casa. Nada disso é necessário, já que, no lugar do “mito do amor materno”, apareceu o “mito da necessária independência infantil”.
A mulher, dividida entre maternidade e vida profissional, quase sempre prioriza a segunda... Por escolha?
Não é o que parece, no discurso delas... Por mais que isso tenha uma roupagem de “libertação feminina”, as palavras utilizadas pelas próprias mulheres estão repletas de imperativos: eu “tive” que voltar a trabalhar, eu “tive” que parar de amamentar... Mais triste ainda é ver uma mulher desmamar o filho de um mês de idade, preventivamente: “Eu comecei a dar NAN com um mês, porque minha licença-maternidade ia acabar, e fiquei com medo que ele não gostasse de outro leite, já achei melhor ir acostumando aos poucos, para ele não sofrer muito quando eu não estivesse aqui”. Ou então: “Não posso ficar pegando no colo, porque eu não estarei aqui no mês que vem, ele tem que aprender a ficar sozinho, para não sofrer quando eu voltar a trabalhar”. Até o pouco tempo que as mulheres tem para ficar com os seus filhos são usados preventivamente, para educar, “acostumar” a criança com a falta da mãe. Ele precisa entender logo que estará sozinho, precisará se virar sozinho, achar seus próprios caminhos...
Porque nosso modelo social é como a Claudia Leite, que tem o filho em janeiro e em fevereiro está em plena forma, mulherão comandando o Carnaval de Salvador do alto de um trio elétrico... Afinal de contas, gravidez não é doença, os filhos se criam sozinhos e as mulheres PRECISAM ser independentes, assim como as crianças também... Tudo o que questiona isso é doença emocional, é vício, é reprovável e não faz sentido em nosso dito mundo civilizado.
Nessas horas, eu me sinto a própria mulher paleolítica, como diria minha amiga Ana Paula... Nada contra quem acredita em tudo isso, quem DESEJA voltar para o mercado quatro a seis meses depois do nascimento do filho... Mas, de verdade? Conheço pouquíssimas mulheres que desejam isso, sinceramente.
Minha geração coincide com o apogeu da Nestlé. Quem tem por volta de trinta anos foi criado com leite ninho, danoninho, e junto, o mito da independência infantil de que a amamentação era desnecessária. Leite Ninho era bem mais “forte” que leite de mãe. Tinha a vantagem que qualquer um podia dar a mamadeira, e a criança já não teria então uma dependência emocional tão “prejudicial” com sua mãe. Essas crianças cresceriam aprendendo a ser independentes...
Onde estão esses “seres independentes” hoje? A geração Nestlé, de todas que conheço, foi a que menos capacidade teve de fazer escolhas. Somos a geração mais infantil que já existiu. Na faculdade eu me divertia muito vendo mulheres com tom de voz e vocabulário completamente infantilizado. Nossos “independentes Nestlé” não se decidem a deixar de ser adolescentes, não decidiram o que fazer das próprias vidas, muitos moram com os pais e dependem financeiramente deles... Claro que toda generalização é burra, mas é impressionante a incapacidade que temos de escolher e assumir com autonomia as próprias escolhas que fazemos. Porque no fundo, mesmo com a precoce exposição aos desafios e dilemas do mundo adulto, jamais pudemos aprender realmente a “nos virar sozinhos”, como havia sido a intenção dos nossos cuidadores. Aprendemos sim, a sentir uma falta imensa de alguma coisa que ficou lá atrás, e que possivelmente jamais poderá ser completamente resgatada, algo como “a saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi...”
Por vezes isso tudo me parece tão infinitamente triste... Que todos os instintos femininos, acabem sendo vistos como obscenos, desnecessários, prejudiciais... Falta muito para um verdadeiro respeito às mulheres, que contemple a multiplicidade de desejos e expectativas naturais que elas acalentam...
Bom, como sou uma pessoa que tem o privilégio de fazer escolhas, João terá direito a: Nascer de um parto que seja mais natural, humano e respeitoso. Eu acredito no amor incondicional. E eu acredito no amor incondicional que sinto pelo meu filho que nem nasceu. Não porque alguém me disse, mas porque não posso deixar de acreditar em algo que estou sentindo.
E por isso, só por isso, poderei ensiná-lo que o mundo nem sempre é bom durante todo o tempo, mas ele sempre terá um lugar aconchegante e cheio de amor à sua disposição...
Meu filho vai aprender que pessoas equilibradas não saem por aí batendo em quem as contraria, menos ainda se a constituição física da outra pessoa for infinitamente mais frágil que a nossa. Para ensinar isso, vou sempre conversar em vez de bater nele. Provavelmente, desse jeito, vai demorar bem mais tempo para que ele entenda, mas, quando ele entender, jamais vai esquecer. O aprendizado nada terá a ver com a raiva e humilhação que sofreu pelo caminho.
A mesma coisa será com relação às frustrações. Ele saberá que nem sempre terei possibilidade de fazer-lhe todas as vontades. Não vou negar-lhe nada de propósito só para ensinar-lhe isso. Não é necessário. Haverá a ocasião em que realmente o atendimento imediato de seu desejo será impossível. E, diante da negativa, ele pode ficar bravo, pode chorar e gritar, porque esses sentimentos são legítimos e ninguém tem obrigação de nascer sabendo como lidar com eles. Mas ele também vai perceber que, com o tempo, aprenderá formas bem melhores de reagir...
Eu vou passear na praça com ele, e vamos brincar juntos. Nos dias de calor, a gente vai brincar de jogar água um no outro, e se molhar inteiro e à vontade. E eu sei que esses momentos serão para ele muito mais inesquecíveis do que vários presentes que não vou comprar.
Falando em momentos...
Meu filho vai mamar no peito. Muito. Mamar exclusivamente, no mínimo até os seis meses, e continuar mamando enquanto quiser. Desfrutarei desses dias como se não houvesse amanhã. Porque sei que realmente não há. Porque nossa mania de não querer “perder tempo” não faz nenhum sentido para as crianças. E, pensando bem, também não faz sentido para mim.
Quantas horas de sono “perderei” porque João quer mamar no meio da noite? Ou porque não está conseguindo dormir? Quanto tempo “perderei” quando tiver mil trabalhos pra fazer e João quiser que eu sente no chão e cante uma musiquinha com ele? Sempre haverá um tempo de dormir, de trabalhar, de ganhar mais dinheiro... Mas ele nunca mais vai ser bebê de novo. Nunca mais vai ser criança...
Já na gravidez eu por vezes acordo no meio da noite, porque ele resolveu brincar, dentro da minha barriga. E esses momentos são tão preciosos e ricos! Nós conversamos. Eu não me importo de acordar no meio da noite para “brincar” com ele, para acolher a comunicação que ele pode me proporcionar agora. Pelo contrário, eu me alegro com essa possibilidade, Porque eu não tenho que acordar às quatro horas da manhã no dia seguinte, não preciso contabilizar cada minuto de sono “ganho” ou perdido... No fundo há tão pouca coisa que importa de verdade na vida... Tão pouca coisa que importa pra sempre... E nossas escolhas acabam nos levando para caminhos de não-escolhas, para coisas que TEMOS que fazer... Sobra tão pouco tempo para o essencial...
É muito maluco ser mãe. É tão maluco ter nove meses para elaborar esse estar-sendo..."

Thais Stella
(há 36 semanas com um bebê na barriga)

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